quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

Cabelos brancos

Nunca aprendi a fazer arroz, nem passar camisa, nem pregar botão. E nunca me importei de verdade com isso; sou dessa geração de mulheres treinadas desde cedo pra se dar bem na profissão, na aparência e na conta bancária, que acreditam que é quase um atributo intelectual ser incompetente pras coisas domésticas. Mas encontrei cinco fios de cabelos brancos na minha cabeça. Cinco, porque parei de contar no quinto. Minha vó precisou ser uma velhinha de bengala pra ter cabelos brancos. Meu pai até outro dia não tinha. São os fios mais grossos da minha cabeça – da espessura que eu queria que fossem meus cabelos ainda coloridos, esses finos como os de uma criança. Uma criança, o espelho do elevador me contou ontem, que por distração, envelheceu.
Até que tentaram me avisar. Outro dia encontrei com um amigo que não via há mais de uma década. Ele disse, sorrindo como quem entrega uma flor, que meu sorriso é o mesmo, exclamação. Na hora pensei: “me restou o sorriso, como restam os dentes nas caveiras pra sempre, pra sempre rindo, mesmo mortas e em decomposição”. Há uns anos, um dos mais admiráveis admiradores de mulheres que já conheci, o querido e libidinoso Xico Sá, elogiou (ele, que é autor de outros elogios que guardo como joias pra velhice, cof, cof), soltou, a respeito da tatuagem que eu tinha acabado então de fazer: adoro tatuagens tardias. Eu tinha 32. A Andrea Martins criou um blog sobre a crise dos 40. Ela que tem cara de 30, pique de 20 e sorriso de 10. Mudar a cor dos cabelos é um dos ritos dessa temida e importante passagem, tá lá, descrito num dos divertidíssimos posts(é invejável, sempre tem coisa nova). Eu sempre pintei os meus porque gosto de cor e nasci, como minha mãe me disse uma vez, com uma paleta meio desmaiada.
Mas, decidi que se um dia quero ser uma vó sábia rodeada por dezenas de netos a ouvir histórias na varanda de algum lugar, preciso começar a cultivar desde já meu coque branco de Zilka Salaberry na pele de Dona Benta nos idos dos anos 80. A Loreal que me desculpe, mas não pretendo trocar minha nova auréola prateada (que ao que parece, se multiplica em progressão geométrica a cada noite sobre o travesseiro como gremilins na piscina) por nenhum Mel Natural Amadeirado que além de me deixar loira como a Grazi Massafera antes da gravidez, diz o cabelereiro, atenuaria minhas olheiras e marcas de expressão (por que ninguém reclama desse tipo de bullying de salão?). Nem em troca dos cafunés do Cauã. A não ser, claro, que como um sapo beijado, ele vire um Cauã grisalho que saiba preparar um arroz bem soltinho e bem temperado enquanto eu leio ou invento bobagem pras crianças. E que para sempre desrespeite os meus secretos e verdadeiros cabelos brancos.

quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

Separação

Acordei e almocei. E não almocei qualquer coisa: maxixe com pimenta, língua com chutney não sei de que (mas bom) e arroz. Com alho. Chá de alecrim com gengibre. Já tava enfiada na minha roupa de ir trabalhar no calor quando terminei minha refeição que foi de verdade a principal do dia. Dia de fechamento da revista. Dia de divórcio no centro da cidade. Da editora pro fórum, pela agorofóbica linha amarela do metro, depois de 12 páginas legendadas e liberadas, lia A Arte de Guerra pensando que bom que hoje a vida se resolve. Cheguei no João Mendes antes da hora, reparando nas luminárias Déco equipadas com as lâmpadas da minha cozinha. Comprei uma Coca-cola no Girafa´s que o dia tava quente e a doutora Eliana Sanches, minha devogada, meio atrasada. Quando me viu da porta do fórum, gritou, “de shorts não pode entrar aqui”.  Ali do lado eu já tinha posto o olho numa Barred’s com tudo sempre em promoção. Fomos voando, arranquei a primeira coisa comprida e cinza que vi na arara das saias de escritório, entrei dentro dela enquanto a vendedora tirava o alarme da mercadoria (imagino que com saia roubada também não se pode entrar no fórum João Mendes, pensei em dizer, mas por efeito do livro talvez, guardei a voz pro que viria depois). Na frente da sala da juíza da vara de família tava o Rê, tão fantasiado quanto eu: de camisa branca com cara de acabei-de-te-coprar-aqui-na-frente. Lembrei de quando fizemos as fotos pra Natura e ele apareceu no set travestido de um conjunto bege-nude-creme que fez a Maria dar um pulo: “quem é você e o que fizeram com meu verdadeiro padrasto?” Entramos – claro que eu decepei mais duas ou três cabeças das cobras da medusa de advogada que ele arrumou – e fechamos o ciclo, num documento, redigido durante longos 15 dias pelo supermegaescritório, salpicado de erros de ortografia. Acabou o casamento. E com ele, a guerra de meses. O amor tem uma coisa parecida com o vício: é tão fácil começar quanto é difícil encerrar. Nossa, como nos cortamos nesse caminho. Quando voltei pro metrô, me dei conta da exaustão e do alívio de mil toneladas que sentia no corpo. Voltei para o trabalho. Chorei pela primeira vez em meses.